Contos de fadas para gente grande

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Contos de fadas para gente grande


"Branca do Mortos e os Sete Zumbis" cria versões de terror para os contos de fada tradicionais popularizados pelos irmãos Grimm. O livro é escrito por Abu Fobiya, heterônimo "amargurado e pessimista" de Fábio Yabu, autor infantil conhecido por séries como "Princesas do Mar".

"O objetivo do heterônimo é não confundir as crianças e pais que leem meus outros livros", disse Yabu ao UOL. "O Fábio Yabu vai continuar escrevendo livros infantis, enquanto o 'Abu Fobiya', que em árabe e grego quer dizer 'pai do medo', vai assinar obras de terror voltadas para os adultos".

O escritor Neil Gaiman, citado pelo autor como uma de suas influências, escreveu em uma de suas coletâneas a história de Branca de Neve do ponto de vista da madrasta, retratando Branca como uma criatura monstruosa e vampiresca que seduz o rei. Gaiman disse que o efeito desejado é que sua versão se torne uma espécie de vírus que infecte a mente do leitor e o impeça de pensar na história original com a mesma inocência de antes.

As ilustrações de "Branca dos Mortos" por Michel Borges ajudam a compor a atmosfera do livro


Efeito semelhante é extrapolado por Yabu para histórias como Cinderela, Rapunzel, Bela Adormecida e Chapéuzinho Vermelho. Yabu minimiza esse tipo de "infecção", no entanto. "A minha versão da Branca de Neve na verdade é uma fração de um universo muito maior, que nem poderia macular os contos de fadas originais até porque eles são versões bem tenebrosas também".

Pelo título "Branca dos Mortos e os 7 Zumbis", o leitor pode achar que Yabu deu um tratamento semelhante a "Orgulho e Preconceito e Zumbis", em que trechos da história de Jane Austen são modificados. O livro de contos de Yabu funciona mais como variações de um mesmo tema, em que o autor pode se distanciar e se aproximar da história conforme deseja para ter um resultado ao mesmo tempo novo e familiar.

Apesar da linguagem mais infantil típica dos contos da carochinha, vemos logo nos primeiros textos que Yabu deixou mesmo as princesas no fundo do mar. Flagelações e amputações são descritas com detalhes dignos de filmes de horror B e as ilustrações de cada conto - algumas bem perturbadoras - ajudam formar durante a leitura uma tensão desesperadora, claustrofóbica e sombria.

Metade da diversão está em começar a ler e imaginar onde o conto do livro vai começar a divergir do original. Em alguns casos a vítima da historinha é quem se torna o monstro. Em outros, a revelação final da identidade do protagonista faz o conto inteiro fazer sentido, como quando o culpado é descoberto em uma história detetivesca.

Ajuda bastante também o fato de que Yabu conhece bastante suas referências com literatura de terror. Temas recorrentes são a culpa típica de Poe, o medo do desconhecido de Lovecraft e a atmosfera onírica de Gaiman. Conhecimento de nenhum autor é necessário para apreciar o livro, mas os fãs vão apreciar as referências e homenagens que pipocam pelo texto.

Os contos também são interrelacionados. Personagens de um aparecem como coadjuvantes em outros ou são mencionados em tom de lenda. Isso ajuda a criar a ilusão de que elas fazem parte de um mundo coeso, como se as histórias fossem o resultado de uma tradição cultural ao invés de inventadas por um autor.

"Branca dos Mortos e os Sete Zumbis" parece um artefato borgiano, um objeto de um universo paralelo que de alguma forma atravessou as rachaduras da realidade para cair no nosso. Talvez um livro de historinhas usado para torturar crianças antes de dormir em um mundo um pouco mais infernal que o nosso.


Fonte: UOL

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